O horário de verão voltou ao debate nesta semana, após o Ministério de Minas e Energia (MME) pedir ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) — órgão responsável pela coordenação e operação do sistema elétrico brasileiro — um novo estudo sobre a medida, diante da "atual conjuntura de escassez hídrica".
A notícia sobre o novo estudo gerou especulações sobre uma possível volta do horário especial. Mas o ministro Bento Albuquerque reafirmou que a avaliação da pasta é de que "não há necessidade do retorno do horário de verão em 2021".
"A contribuição do horário de verão é limitada, tendo em vista que, nos últimos anos, houve mudanças no hábito de consumo de energia da população, deslocando o maior consumo diário de energia para o período diurno", disse Albuquerque, em nota à Folha de S. Paulo.
"Assim, no momento, o MME não identificou que a aplicação do horário de verão traga benefícios para redução da demanda", completou o ministro.
História do horário de verão
O horário de verão foi instituído pela primeira vez no Brasil em 1931, durante o governo de Getúlio Vargas. À época, dizia o Diário de Noticias: "a prática dessa medida, já universal, traz grandes benefícios ao público, em consequência da natural economia de luz artificial".
A medida foi repetida em anos seguintes, sem regularidade. A partir de 1985 - ano que foi marcado por uma seca histórica, que resultou em blecautes e racionamento de água -, o horário diferenciado passou a ser adotado anualmente, com duração e abrangência territorial definidas por decretos presidenciais.
Em 2008, um decreto tornou o horário de verão permanente, vigorando do terceiro domingo de outubro até o terceiro domingo de fevereiro do ano seguinte. Até que, em abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também por decreto extinguiu a medida.
"O horário de pico hoje é às 15 horas e [o horário de verão] não economizava mais energia. Na saúde, mesmo sendo só uma hora, mexia com o relógio biológico das pessoas", argumentou Bolsonaro, à época.
País dividido
Este ano, o tema voltou ao debate devido à crise hidroenergética e à pressão de empresários que, afetados pela pandemia, veem na volta do horário especial a oportunidade de vender um pouco mais diante da permanência maior do brasileiro nas ruas com a hora a mais de luz natural. Mas o tema está longe de ser consenso.
Pesquisa feita pelo instituto PoderData, ligado ao portal de notícias Poder360, realizada em julho, mostrou que 50% da população não quer a volta do horário de verão no Brasil, enquanto 46% querem o retorno da medida e 4% dizem que não sabem.
Segundo a mesma pesquisa, a opinião sobre o horário de verão varia de acordo com a preferência política dos entrevistados.
Entre aqueles que avaliavam o presidente Jair Bolsonaro como "ótimo" ou "bom", 69% não queriam a volta do horário de verão, 29% eram favoráveis e 2% não sabiam. Já entre os que avaliavam o presidente como "ruim" ou "péssimo", 57% eram favoráveis à volta do horário de verão, 40% contrários e 3% não sabiam.
Foram 2,5 mil entrevistas, em 427 municípios, nas 27 unidades da Federação, e margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Mas quais são as vantagens e as desvantagens da mudança de horário? Listamos alguns dos argumentos citados pelos dois lados desse Brasil dividido.
VANTAGENS
Economia de energia
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, foi à televisão em 31 de agosto dizer aos brasileiros, em rede nacional, que a seca que o Brasil tem enfrentado é a pior da história e que a condição hidroenergética do país se agravou.
Diante do baixo nível dos reservatórios hidrelétricos, o ministro pediu a colaboração da população para redução do consumo de energia, sugerindo entre as medidas a serem adotadas um maior aproveitamento da luz natural.
O maior aproveitamento da luz natural é justamente o objetivo do horário de verão, extinto por Bolsonaro em 2019.
Com o adiantamento dos relógios em uma hora, as regiões que adotam o horário especial ganham uma hora adicional de luminosidade no fim da tarde, adiando o acionamento de lâmpadas e de eletrodomésticos na volta para casa depois do trabalho. Historicamente, a economia era de cerca de 4% a 5% da demanda no horário de pico.
O governo argumenta, porém, com base em dados do ONS, que o pico de demanda no verão mudou ao longo dos anos do fim da tarde, para o meio dela, devido ao acionamento dos aparelhos de ar condicionado nas empresas.
Os especialistas do setor elétrico que defendem a volta do horário de verão, no entanto, argumentam que, diante da gravidade da crise atual, qualquer economia de energia, mesmo que menor do que a histórica, é bem-vinda.
"Há dois anos, o equilíbrio entre oferta e demanda de energia estava tranquilo, então uma economia de 2% a 3% do consumo não era tão imprescindível", disse o professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Gesel (Grupo de Estudos do Setor Elétrico), Nivalde de Castro, à BBC News Brasil, em julho deste ano.
"Mas, atualmente, estamos enfrentando problemas para atender a demanda de energia elétrica justamente na hora em que escurece", afirma o especialista. "Diante da crise hidrológica deste ano, o horário de verão faz todo sentido, porque ele evita um consumo a mais, do que numa situação em que não haja horário de verão."
Segurança nas ruas
Um terceiro argumento em favor do horário de verão é a segurança.
"A evidência empírica sugere que uma hora a mais de luminosidade reduz homicídios, roubos e acidentes de trânsito", disse Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B e especialista em infraestrutura, que publicou em 2019 um artigo sobre o tema em coautoria com os pesquisadores Miguel Foguel e Renata Canini.
Estudo de 2016, realizado por pesquisadores da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), por exemplo, analisou dados de ocorrência de acidentes rodoviários entre 2007 e 2013. Segundo o estudo, nos Estados em que o horário de verão era adotado, houve redução de 10% dos acidentes em rodovias federais.
"Os testes revelaram que a realocação do horário de atuação da luminosidade durante o dia contribui consideravelmente na redução de acidentes em rodovias federais", concluíram os pesquisadores. "Os testes apresentaram evidências de que o impacto de transição para o horário de verão afeta o comportamento de direção dos motoristas em rodovias federais, principalmente ao entardecer."
Exercícios físicos e uso do espaço público
Por fim, um último argumento daqueles que defendem o horário de verão é a possiblidade fazer exercícios físicos ao fim da tarde e melhor aproveitar o espaço público.
O argumento foi usado até por Luciano Hang, dono das lojas Havan e bolsonarista de primeira hora. "Com o dia mais longo, as pessoas vivem melhor, vão às praias, praticam exercícios e têm mais qualidade de vida", disse Hang, que aderiu ao movimento de empresários pela volta do horário de verão.
DESVANTAGENS
Dificuldade de adaptação
O principal argumento dos contrários à volta do horário de verão é que a adaptação é difícil e a mudança mexe com o relógio biológico.
Um estudo de pesquisadores brasileiros publicado em 2017 na revista Annals of Human Biology, com mais de 12 mil participantes, mostrou que menos da metade (45,43%) diziam não sentir nenhum desconforto com a mudança de horário. E cerca de 25% diziam permanecer desconfortáveis durante todo o período de mudança de horário.
A dificuldade de adaptação tem razões biológicas: a alteração do horário mexe com a produção de hormônios como a melatonina e o cortisol, responsáveis respectivamente por dar sono e despertar o corpo.
A mudança também é mais penosa para adolescentes, que têm dificuldade de acordar cedo para aulas matinais, e para crianças pequenas, que têm necessidade de longas horas de sono e costumam ser sensíveis a mudanças de luminosidade.
Mudanças no ciclo agropecuário
Uma segunda desvantagem do horário de verão, segundo os contrários à medida, é que ele afeta o setor agropecuário.
O gado bovino, por exemplo, é sensível à mudança de horário das fazendas, que pode inclusive afetar a produtividade leiteira.
Horários diferentes Brasil afora
Uma terceira desvantagem é a maior dissincronia entre os horários Brasil afora.
O Brasil é um país tão grande que tem quatro fusos horários: o de Brasília, que abrange a totalidade das regiões Nordeste, Sudeste e Sul, além dos estados do Pará, Amapá, Tocantins, Goiás e o Distrito Federal; o de Fernando de Noronha (uma hora à frente de Brasília); o do Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (uma hora atrás de Brasília); e o do Acre e oeste do Amazonas (duas horas atrás de Brasília).
No horário de verão, Norte e Nordeste não adotam a mudança, que não faz diferença nessas regiões devido à proximidade delas com o Equador.
Assim, no horário especial, Roraima, Rondônia e Amazonas passam a ter duas horas de diferença em relação a Brasília e o Acre, três horas.
Isso dificulta, por exemplo, a realização de eventos nacionais, a tal ponto que, em 2018, o horário de verão foi mais curto, devido às eleições. A pedido do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, o horário de verão naquele ano começou somente em novembro, para evitar atrasos na apuração dos votos e na divulgação dos resultados.
BBC Brasil